domingo, 12 de fevereiro de 2012

Homenagem para o livro do Curuminzinho

FRANCISCO DE ASSIS
Francisco de Assis. Esse nome é o mesmo do meu saudoso irmãozinho. Todos nós, irmãos, ganhamos nomes de santo. Acho que a energia divina se aproxima mais das pessoas com esses nomes ...
No quintal de casa apareceu um indiozinho, de cabelos compridos, com o nome de Francisco. Eu era criança, de mais ou menos, oito anos. No meio daqueles playboys que iniciavam o voo livre sempre apareciam garotos pobres que se vislumbravam com o esporte. Lembro-me que o padrinho desse indiozinho, de nome santo, era um cara chamado Carlos Alberto Dourado. Saudoso Beto Dourado, dizia-me que o trouxera do Amazonas, de uma tribo de lá...
O voo livre vivia, nessa época, uma era mágica. Vários campeonatos se faziam, várias marcas famosas se associavam ao esporte. Nessa época, as mulheres voavam, o esporte contagiava a sociedade de maneira plena e o voo livre era evidência na mídia. A Pedra Bonita se fazia conhecer pelo turismo no voo solo, voo duplo e nas caminhadas pela floresta. Nessa educação, nobre pela carona na boa vivência dos praticantes da época, cresceu curuminzinho. Adotado por Beto Dourado, Daniel Sabá, Guilherme Gama e outros. O trabalho era certo nos serviços de resgate, montagem e desmontagem das asas. A lembrança de criança ficava nas ondas dos "jacarés" da Praia do Pepino e nos "top Less", alegria dos meninos da nossa idade e comportamento feminino comum da época, naquele canto de praia! Mas o indiozinho crescia e se fazia piloto, numa escola de didática vasta, inspirando o voo livre na sua melhor forma! Hoje em dia, no "felling" dos pilotos de voo de instrução, pode se ver o estilo "curuminzinho" em muitas decolagens e aterrissagens. Esse estilo se caracteriza pela velocidade nos comandos, o que torna a manobra bonita de se ver e segura para quem pratica.
Curuminzinho viveu entre nós um galanteador, namorador e excelente piloto. No auge de sua carreira como piloto de voo duplo, usava três asas e fazia mais de dez vôos por dia. Levava qualquer um... pesado, manco, manco-medroso... suas decolagens eram uma perfeição em raça e técnica. Até hoje não se vê aterrissagem semelhante. Também não existe piloto igual. Seu acidente foi uma fatalidade... para nós, uma escola, para não acharmos que o mundo é sempre um mar de rosas. É preciso ter "maldade", desconfiança, medo... ficar sempre de olho nos parapentes, pois eles são lentos e voam olhando para o velame. Até hoje eles dividem desordenadamente o nosso pouso da areia. Somente os bons pilotos não nos oferecem perigos dessa natureza. É preciso estar atento sempre, não só com os maus pilotos de parapente mas com os de asa também! Creio que os acontecimentos principais em nossa vida está relacionado, mesmo, com o destino. Em nossa caminhada humana nesse planeta temos que honrar a existência de Deus! Às vezes, sofremos um pouco para podermos realmente nos enxergar. É essa fé, em dobro, que desejo ao irmão Curuminzinho... e fico feliz ao vê-lo lutando. Assim se mantém em sua fiel personalidade.
Em sua fase de galanteador, lembro-me de um final de dia, depois de vários vôos duplo, onde o indiozinho, malandro, trouxe-me as suas asas para que eu e um primo as guardássemos no aseiro. Dizia-nos que não poderia ajudar em virtude de um grande compromisso. Depois de guardarmos todas as suas asas, todo o seu equipamento, observamos que o tal compromisso importante era mais uma de suas galinhagens. O fusca, modelo "Itamar", prateado, estava parado no estacionamento. Planejamos, então, naquele final de tarde uma boa "peça" para recompensá-lo daquela "sufocada". Enquanto ele estava aos deleites com a sua amada, pegamos feijão preto e colocamos nas duas maçanetas da porta do fuscão. Completamos outras partes do carro com feijão e papel higiênico, simulando fezes. No "rack", colocamos varetas de bambu com folhas. Amarramos tudo no carro, que parecia uma árvore de natal! E ficamos aguardando, camuflados na moita do lado do carro estacionado. Estava escurecendo, quando chegou o casal... só ouvíamos aquela voz irada, baixinha, dizendo:
- Filhos- da - Puta!... Filhos-da-puta!!...
A menina, perplexa e assustada, abriu a porta do carona e gritou:
- Curumim, tem merda! É merda, Curumim!!...
A moita segurava os risos, pois se descobertos não poderíamos gozar de uma boa integridade física. O carro saia apressado, parecia uma floresta ambulante, só se via os faróis e os gritos internos... Pararam no estacionamento de visitantes para se refazerem e avaliarem melhor o que ocorrera. Confesso que ficamos escondidos uns dias pois a ira do Curuminzinho duraria mais de uma semana.
O acidente com o Curuminzinho emocionou bastante a comunidade do voo livre, principalmente o voo duplo. Ele era como o sol, estava sempre na praia, era parte daquela história. Respeitado como piloto, brincalhão, não fez inimigos. Sua vida era voar e jogar gamão. Humano, ajudava mais os menos favorecidos. Curumim, entre nós, era o moleque que alegrava qualquer situação. Depois do acidente, um grande feito que nos emocionou bastante foi a sua decolagem de duplo com o seu filho ainda bebê. Todos os braços de pilotos amigos queriam estar participando daquela decolagem. Empurramos a sua asa de rodas rampa abaixo. Decolou... perfeito... de duplo! ... grande Curuminzinho, escola de decolagem e pouso de muito de nós! Pousou perfeito, de barriga, num deslize técnico, parando a asa com perfeição. Para ele não importava o vento. Seus braços recompensavam a falta de qualquer brisa. O fato de decolar com o seu filho pequeno, na condição paraplégica em que se encontrava, não nos parecia loucura. Era o Curuminzinho, o que chamava para si a responsabilidade dos passageiros (hoje alunos) pesados! Estava ali o velho Curuminzinho, se reerguendo, na raça que todos nós temos que ter um dia, nos destinos desse mundo complicado.
As outras decolagens foram de voo solo (menas adrenalina para todos nós). Acho que lhe faltou verba para a manutenção de sua asa. Esses vôos do Curumnzinho, paraplégico, foi uma lição de vida para todos nós. Espero que esses relatos possam ter contribuído para que a sua história seja contada com todos os méritos. Deus abençoe a todos.
 
 
José Emílio Cordeiro.